sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A um ex-aluno

Caro ex-aluno,
Fica desde já decretado que usarás gravata!
Este é, sem dúvida alguma, requisito mínimo essencial para poderes entrar com o pé direito na vida profissional. Escusas de pensar que, mesmo apresentando os teus dotes académicos, a malta que manda te vai aceitar, tal como és. Quais jeans coçados, “doc martin’s” nos calcantes, malhas vindas de qualquer serrania do interior.
Mais. Nem tentes aparecer de cabelo “apanhado” com as contemporâneas rastas.
A barba, se for com três dias ainda poderá vir a passar.
Lembra-te sempre daquelas dicas do professor tipo “...cuidado com as aparências... o aspecto é muito importante..:”. Enfim, lugares comuns.
Lá para o final da semana, é claro que podes usar as confortáveis gangas, mas, a gravata, essa é, sem qualquer dúvida, o ritual com que assinalarás o início da vida profissional.
A partir daí, vais, certamente, pensar em fazer carreira. Essa coisa que se faz subindo. Aviso-te desde já que alguns, sobem por ser do partido; outros, sobem, apesar de não o serem. A diferença, entre eles, é o facto dos primeiros serem em maior quantidade e a sua ascensão ser substancialmente mais fácil e acelerada. É certo que poderás manter as tuas convicções, mas de uma forma “meio-meio”, a ser e não ser, um“nim”: a afirmação da diferença exigirá que sejas profissionalmente muito melhor, para que te possam tolerar. Bom, o melhor é não arriscar. Entre seguidismo e competência, o poder, normalmente, opta sempre pela primeira.
Por isso, deverás também, ser muito cauteloso. Antes de Abril, em cada local havia um pide, e era fácil detectá-lo. Hoje em dia, tudo é mais soft, menos pesado, mais low profile, mais cool: o tipo que nos trama, sorri-nos da secretária do lado, ou à hora do lanche, entre dois dedos de conversa. Ou então, é a outra, que de repente, te começou a cumprimentar com um beijinho, no caminho do trabalho.
A denúncia será, em todo caso, feita na reunião do partido. Mas nem tudo é mau: agora já ninguém é preso por subversão. Apenas te referem que não és promovido ou que o contrato não será renovado, por razões estritamente técnicas.
Mais. Entre um slogan e um argumento, deverás escolher sempre o primeiro: a argumentação, como se sabe, é um sinal da mais profunda tibieza.

Se te destacarem alguns subordinados, assumirás o protagonismo nos momentos bons, e deixar-lhes-ás o ónus dos momentos maus. Os subordinados foram feitos para isso mesmo. Se a coisa correr bem, deverás por isso aparecer. Chama-se a isso “dar a cara”. Se houver problema e se exigirem atribuição de um culpado, que pelo menos não sejas tu.
È certo que viverás sob um poder que respira hipocrisia. Mas isso não importa.
No entanto, por vezes, a indignação prega-nos partidas. Se um dia começares a ficar enjoado com a situação, talvez seja melhor resistires. A coerência é, cada vez mais, um luxo que se paga caro. Tira uns dias de férias. Virás novamente com um sorriso.
Mas, se mesmo após o descanso, não te sentires bem, deverás invocar o excesso de juventude da tua pessoa. E deves invocar ainda o mais genuíno arrependimento. O poder adora arrependidos, concedendo-lhes sempre um perdão.

Mas, se nada disso te consolar, se o cansaço da situação te atirar para um monte de urtigas, e a revolta te convidar a sentar junto de um enxame de abelhas, talvez possas improvisar conselhos a um qualquer ex-aluno, sendo certo que essa carta deverá ficar retida na tua mais secreta gaveta.
Ou então, resta-te assumir que és um caso perdido. Sabendo porém, com uma estonteante alegria, que a adolescência e a liberdade te continuam a moldar, serenamente, por dentro.

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