sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Menos para ser Mais...

Em Portugal, há fogos a mais.
O mercado imobiliário oferece, sem que a procura o peça, habitação, escritórios, serviços, comércio, facto que demonstra que, às tantas, não nos sabemos organizar.
Dizem alguns que, este frenesim construtivo, surge pelas melhores razões, nomeadamente em nome da chamada recuperação económica.
O problema é que a cidade, enquanto espaço de referência e de experiência, fica de lado, apesar de, não poucas as vezes, haverem esforços pontuais no sentido de a fazer reviver e de a equipar.
Por outro lado, temos um país onde se regulamenta por tudo e por nada – são milhares de decretos, leis, portarias e outros documentos aplicáveis a planos, projectos ou obras. O mais difícil parece ser atingir resultados positivos naquilo que transformamos e construímos. Talvez seja tempo do legislador “descer” à terra e tentar regulamentar de forma mais simples, articulada e compilada.
A juntar a tudo isto, temos um inadmissível sistema de financiamento que alimenta, incrementa e prolonga a dependência do endividamento, numa clara guerra aberta às classes menos favorecidas e que visa o lucro e somente o lucro vergonhoso da banca e seus responsáveis.
Se, dado o excesso de construção e de área legalmente apta para construção presente nos actuais Planos Directores Municipais do país, fosse impossibilitado o aumento de novas áreas de construção às actualmente construídas e, por outro lado, se incentivasse, através de critérios objectivos de planeamento, a renovação do parque habitacional existente e, caso ainda, se procedesse a uma razoável e programada demolição das áreas degradadas, talvez pudesse resultar num amplo processo de requalificação paisagística, urbana e ambiental do território.
Portanto, induzir a redução da especulação imobiliária, através do estabelecimento de uma quota de edificação, a qual seria usada também como método de distribuição geográfica da população, bem como incentivar o arrendamento de habitação permanente, podem ser medidas que permitam melhorar o desempenho do país. Libertaria grandes recursos financeiros para um efectivo desenvolvimento produtivo e económico do país, ao mesmo tempo que, resultaria num claro ganho em termos de qualidade e estabilidade da construção.
Mas...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O artesanato pode sobreviver ao design?

Estamos num tempo de franca globalização. Tudo se vende.
Certo tipo de artesanato medieval continua a vender-se nos locais especializados, até mesmo ao lado de produtos altamente sofisticados. No entanto, a verdade é que muitos desses produtos tradicionais já perderam a sua pertinência e carácter funcional, ficando apenas resignados ao seu papel meramente decorativo ou, no limite, de apetrecho de natureza kitsh (palavra sempre em voga nas saudosas aulas de Teoria do Design).
Serve esta pequena nota introdutória (ou conclusiva) para que se perceba que só a readaptação da cultura rural ou tradicional à urbanidade poderá fazer subsistir o artesanato.
Toda a gente sabe que a “selecção cultural” fará desaparecer toda e qualquer cultura que resista à evolução. É assim nos objectos, na música, na arquitectura.
O problema do artesanato é que não possui condições internas de adaptação e de redesenho em tempo útil, atendendo à lentidão do seu processo evolutivo bem como ao deficit de sensibilidade aos requisitos de natureza simbólica que, cada vez mais, o público contemporâneo procura.
No entanto, entramos aqui num paradoxo:
- Ao querer-mos que o design contribua para a preservação e para a evolução do artesanato, estamos, ao mesmo tempo, a fazer com que a arte tradicional se perca.
Assim, sendo o design uma forma evolutiva do artesanato, torna-se fundamental encontrar formas que atenuem as perdas da cultura tradicional directamente relacionadas.
Difícil?
- Claro que sim…

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Plano de Revitalização do Centro Histórico da Feira- - Porque não?

De acordo com as recomendações internacionais, e motivados pelo processo da unificação europeia, na entrada do novo milénio, estamos conscientes de viver um tempo no qual as identidades, num contexto cada vez mais amplo, se personalizam e tornam cada vez mais diversificadas.
Cada comunidade, tendo em conta a sua memória colectiva e consciente do seu passado, é responsável pela identificação e pela gestão do seu património, desenvolvendo uma consciência e um conhecimento da necessidade de cuidar dos seus valores.
Este património não pode ser definido de um modo unívoco e estável. Apenas se pode indicar a direcção pela qual possa ser identificado, pois a pluralidade social implica uma grande diversidade nos conceitos de património concebidos por toda a comunidade; ao mesmo tempo, os instrumentos e métodos desenvolvidos para uma correcta preservação devem ser adequados à situação de mudança, sujeita a um processo de evolução contínuo. O contexto particular de escolha destes valores requer a preparação de um projecto de conservação, através de uma série de decisões de escolha crítica. Tudo isto se materializaria num projecto de restauro e reconversão de acordo com critérios técnicos organizativos.
Considerando o enquadramento urbanístico e arquitectónico do Centro Histórico da Cidade de Santa Maria da Feira, em que sobressai o equilíbrio do conjunto edificado que compõe toda a sua área urbana, bem como as obras de reconversão viária levadas a efeito pela autarquia, torna-se necessário a definição de algumas linhas de orientação para eventuais intervenções em edifícios desse núcleo antigo. Assim, na perspectiva de definir objectivos e métodos de actuação, dever-se-ia promover a elaboração de um estudo global que defina todas as regras de futuras intervenções (ao nível público e privado) e de tipos de ocupação a validar.

Assim, não seria de todo descabido, o lançamento de um PLANO DE REVITALIZAÇÃO E SALVAGUARDA DO CENTRO HISTÓRICO DA FEIRA, numa lógica de criação de um espaço urbano de vivência por excelência e que assuma o seu papel catalisador de dinâmicas culturais e comerciais que complementem a ocupação eminentemente habitacional e de serviços actualmente existente. A captação de espaços “âncora”, com a transformação de todo o centro histórico numa espécie de centro comercial ao ar livre, pode ser, sem dúvida, uma boa solução.
Em todo o caso, esse processo passará, eventualmente, pela observância dos seguintes princípios:

1. O património arquitectónico, urbano e paisagístico, assim como os elementos que o compõem, são o resultado de uma identificação com vários momentos associados à história e aos seus contextos socioculturais. A conservação deste património é o nosso objectivo.
2. A conservação pode ser realizada mediante diferentes tipos de intervenção, tais como o controlo do meio ambiental, a manutenção, a reparação, a renovação e a reabilitação.
3. A manutenção e a reparação são uma parte fundamental do processo de conservação do património. Por isso, há que informar, prever a possível degradação e tomar medidas preventivas adequadas, com base numa investigação sistemática, inspecção e acompanhamento.
4. Os projectos de restauro, de reconversão ou de construção, deverão basear-se na informação e conhecimento profundo dos imóveis e/ou da sua localização. Este processo deve incluir o estudo estrutural, análises de volumetria, significado histórico, artístico e sociocultural.
5. Nos projectos devem participar todas as disciplinas pertinentes, e a coordenação deverá ser efectuada por arquitectos.
6. Deve evitar-se a reconstrução no “Estilo do Edifício”. Se for necessário para o adequado uso do edifício, incorporar partes espaciais e funcionais extensas, deve-se, aí, reflectir a linguagem da arquitectura actual.
7. Qualquer intervenção deve estar estritamente relacionada com a sua envolvente.
8. Em caso de existirem escavações ou achados arqueológicos, deverá efectuar-se um levantamento e uma documentação exaustiva, a realizar por profissionais da área, com métodos e técnicas estritamente controladas.
9. A decoração arquitectónica, esculturas, pelourinhos, fontes, etc., que são parte integrante do património construído, devem ser preservados mediante um projecto específico vinculado ao projecto geral.
10. Os núcleos históricos (ruas ou aglomerados) devem ser encarados como um todo. Assim, os edifícios que constituem as zonas históricas podem não apresentar em si um valor arquitectónico especial, mas devem ser salvaguardados como elementos do conjunto.
11. No processo de transformação e desenvolvimento das zonas históricas, deve dar-se especial relevo ao rejuvenescimento da população que aí habita.
12. O turismo cultural, deve ser visto como factor positivo para a economia local, permitindo potenciar o investimento privado na revitalização e salvaguarda dos centros históricos.
13. Deverão estar equacionados todos os aspectos funcionais e de ocupação que potenciem a revitalização destas áreas.

Fica pois, lançado o repto...

Mais vale... não fazer contas?!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A hora das Cidades... mas também das periferias.

A reabilitação urbana parece ter entrado no vocabulário a na agenda da nossa classe política. Efectivamente, com os programas Polis, desenvolvidos nas principais cidades do país ou ainda numas quantas cidades de dimensão média ou pequena, parece começar a dar algum resultado.
Mas, poder-se-á chamar a isso uma verdadeira Política de Cidades?
Julgo que a resposta, embora longe de um consenso, é bem capaz de resvalar para a seguinte consideração: uma verdadeira política urbana é muito mais do que uns quantos relógios a contar o tempo que falta para o final das obras ou do que umas centenas de metros de lancil de granito alinhados sob um desenho mais ou menos linear…
No entanto, seria bem pior se não houvesse nada.
Note-se que, nestas coisas, entendo o unanimismo, um tanto ou quanto desnecessário, senão mesmo desprezível …
Mas, dizia eu, a resolução que criou o programa Polis “assumiu” claramente que a vida urbana se foi tornando ao longo das últimas décadas, sinónimo de “ausência de espaços públicos de qualidade”, de “carência de zonas de lazer” e de “aumento dos problemas de congestionamento de trânsito”. Por outro lado (algumas) más opções urbanísticas conduziram à desvirtuação dos centros históricos tradicionais e levaram à criação de bairros dormitórios periféricos às cidades onde a qualidade de vida urbana é manifestamente insuficiente.
Assim, admitindo que este processo de “rejuvenescimento” pode ser considerado um ponto de partida para o desejável aumento da qualidade de vida urbana nas nossas cidades, importa por isso começar a pensar num modelo similar a adoptar à escala local.
Tenho dado por mim a perguntar-me, passe o pleonasmo, há quanto tempo não surge uma praça, um jardim, uma alameda, um espaço público de referência nas nossas terras? Há quanto tempo?
É... Não nos podemos esquecer que as terras serão lembradas no futuro, não só pelas suas gentes, mas também pelos edifícios, conjunto de edifícios ou espaços urbanos de qualidade e de vivência acentuada.
Foi assim em toda a história. Será assim no futuro.
Claro está que, para isso, é necessário pensarmos a “cidade” não só como o centro nevrálgico e político de cada concelho, onde (sobre)vive muita gente, mas, pelo contrário, definir redes operativas e sistemas integrados de espaços colectivos que relacionem o centro (ou centros) com as ditas “periferias” (freguesias…).
É que… Também há “massa crítica” para lá do horizonte… Da cidade.
Soluções?
Quem sabe definindo com as Juntas de Freguesia e com as suas gentes, opções de desenvolvimento urbano e prioridades na implementação das obras de qualificação necessárias à afirmação e valorização das suas respectivas centralidades. No fundo, dar vida aos centros (urbanos ou menos urbanos) das terras.
Paralelamente, porque estas estratégias só resultam se o “povo” estiver para aí virado, é necessário que se recupere aquilo a que eu pomposamente costumo “apelidar” de investimento voluntarista no tecido social de solidariedade. Em suma, pôr a malta a conviver, a falar, a viver…
Mas, para isso, é fundamental haver locais e espaços públicos… De qualidade.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

"Torcida"

"Mesmo antes de nasceres, já tinhas alguém a torcer por ti.
Havia pessoas que torciam para que fosses menino.
Outros torciam para que fosses menina.
Torciam para teres a beleza da mãe, o bom humor do pai.
Estavam a torcer para que nascesses perfeito.
E continuaram a torcer.
Torceram pelo teu primeiro sorriso, pela tua primeira palavra, pelo teu primeiro passo.
O teu primeiro dia de escola foi a maior torcida.
E o primeiro golo, então?
E de tanto torcerem por ti, tu aprendeste a torcer.
Começas-te a torcer para ganhares muitos presentes e apanhares o Pai Natal.
Torcias o nariz para os vegetais.
Mas torcias por hambúrgueres e refrigerantes.
Começaste a torcer por um Clube de Futebol.
Provavelmente, nesse dia, descobriste que há pessoas que torcem diferente de ti.
Teus pais torciam para comeres de boca fechada, tomares banho, escovares os dentes, estudares inglês e piano.
Eles só estavam a torcer para seres uma boa pessoa.
Teus amigos torciam para usares brincos, faltares às aulas, e dizeres asneiras.
Eles também estavam a torcer para seres uma boa pessoa.
Nessas horas, tu só torcias para não teres nascido.
E por não saberes pelo que tu torcias, torcias torcido.
Torceste para os teus irmãos se tramarem, torceste para o mundo explodir.
E quando as hormonas começaram a torcer, torceste pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso.
Depois começaste a torcer pela tua liberdade.
Torcias para viajar com a turma, ficar até tarde na rua.
Tua mãe só torcia para chegares vivo em casa.
Passaste a torcer o nariz para as roupas da tua irmã, para as ideias dos professores e para qualquer opinião dos teus pais.
Todo mundo queria era torcer o teu pescoço.
Foi quando até tu começaste a torcer pelo teu futuro.
Torceste para ser médico, músico, advogado.
Na dúvida, torceste para ser físico nuclear ou jogador de futebol.
Teus pais torciam para que essa fase passasse depressa.
No dia do exame para entrares na universidade, formou-se uma grande torcida.
Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por ti.
Na faculdade, então, era torcida para todo lado.
Para a direita, esquerda, contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço do rissol na cantina.
E, de torcida em torcida, um dia tiveste um torcicolo de tanto olhar para ela.
Primeiro, torceste para ela não ter outro.
Torceste para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito magro.
Descobriste que ela torcia igual a ti.
E de repente vocês estavam a torcer para não acordar desse sonho.
Torceram para ganhar o frigorífico, o microondas e a dinheiro para a viagem de lua-de-mel.
E daí para frente entendeste que a vida é uma grande torcida.
Porque, mesmo antes do teu filho nascer, já havia muita gente a torcer por ele.
Mesmo com toda essa torcida, pode ser que tu ainda não tenhas conquistado algumas coisas.
Mas muita gente ainda torce por ti!"

(Adaptado do poema original de Carlos Drummond de Andrade – Brasil)