Na primeira metade da década de 90, pressionadas pela ameaça da não obtenção de fundos comunitários (vulgo Quadros Comunitários de Apoio (QCA), as Câmaras Municipais promoveram e apressaram a aprovação dos Planos Directores Municipais, havendo, então, na generalidade dos intervenientes, o pensamento de que as regras estabelecidas por esse instrumento de ordenamento territorial seriam facilmente ultrapassáveis. No entanto, rapidamente se descobriu que, não só estes instrumentos não podiam ser ignorados, como os erros nele contidos só poderiam ser revistos mediante processos demorados e onerosos.
Portanto, há neste momento, uma questão pertinente que se prende com o conceito deste tão vasto e importante instrumento de gestão territorial.
O que será então um Plano Director Municipal, e qual a sua vocação?
À partida, devemos considerar o facto do planeamento, nas suas diversas valências, estar relacionado, essencialmente, por dois factores: se por um lado tem de antecipar o futuro, ao mesmo tempo tem de ser capaz de decidir e executar o presente. O seu objectivo é dar melhor qualidade de vida às populações, estando condicionado pelas questões políticas, económicas, sociais e físicas que influenciam o tipo de decisões a tomar, entre as várias alternativas possíveis. Assim, se o processo de “planear, programar e executar” tem consequências no meio social, físico e económico, o planeamento, possui um conteúdo político evidente.
Sem existir uma decisão eminentemente política, o planeamento fica reduzido a um jogo mais ou menos académico, uma vez que as suas opções poderão não ter suporte para a sua exequibilidade.
Nesse sentido, deverão, em primeiro lugar, assegurar-se alguns aspectos fundamentais para que os processos de elaboração ou revisão dos PDM tenham credibilidade, nomeadamente:
- Tornar a instrução dos Planos mais flexível e adequada a critérios estabelecidos, considerando a realidade municipal;
- Informar e mobilizar as populações locais, para que a sua participação garanta a democraticidade do Plano;
- Executar um levantamento, municipal e inter-municipal, das grandes áreas sociais e ambientais a defender, localizando os principais problemas e elaborarando relatório sobre os recursos existentes;
- Determinar os grandes objectivos do desenvolvimento concelhio e regional, com a definição de programas para o emprego e industria, os serviços e a agricultura (em parceria com o Estado);
- Estabelecer um programa de aquisição de terrenos pela autarquia (reserva de terrenos para zonas verdes, áreas industriais, programas habitacionais, etc) a fim de controlar a especulação imobiliária;
- Considerar medidas de defesa dos ambientes urbano, rural e paisagístico;
- Criar um programa para Redes de equipamentos, de transportes, de acessibilidades, bem como a sua sintonia com os programas de habitação existentes ou a definir.
No caso de Santa Maria da Feira, creio existirem condições para se “definir” um ambicioso programa de desenvolvimento concelhio no âmbito da revisão do Plano Director Municipal. Um verdadeiro “como somos e para onde vamos???”.
No entanto, há um aspecto importantíssimo que deverá estar presente nos mais diversos intervenientes (entidades públicas ou privadas e a população em geral): perspectivar uma visão conjunta e global do território, que permita desenvolver e programar acções e estratégias, concertadas, para as cidades, vilas, aldeias, ou regiões - num Plano Director Municipal não existem casos particulares, mas sim, soluções conjuntas.
O planeamento de cada município deve, por isso, ser estudado dentro do contexto da sua região de influência (agrupamento ou área metropolitana). Logo, o planeamento não é mais do que um dos elementos de um todo que constitui, ou constituirá, um Plano Regional.
Assim, poderá aparecer como uma unidade funcional, que deverá crescer harmoniosamente em cada uma das suas partes, dispondo de espaços, de ligações ou de particularidades que poderão marcar, equilibradamente, as fases do seu crescimento.
Hoje, mais do que nunca, há uma quase completa percepção de que, na essência, todos os problemas são comuns. Os obstáculos ao desenvolvimento dos diferentes municípios de cada distrito ou região vão no mesmo sentido; cada concelho ou município tem ambições equivalentes.
Por isso, a diferenciação entre cada uma dessas estruturas no futuro, estará na forma e na sua capacidade de, em conjunto, definirem estratégias globais e de se reconciliarem com todo o seu espaço natural e, obviamente, os seus habitantes.
Se assim não for, com a tendência de importar soluções de outras regiões – Globalização do País – podemos estar perante uma forma caseira de “colonialismo ocidental”, onde os conceitos de municípios ou regiões mais afastados e mais urbanos impõem aos restantes, regras que orientam o desenvolvimento, sempre em favor dos primeiros.
Santa Maria da Feira, no seu contexto regional, apresenta condições para uma aposta em dois pilares fundamentais para o seu desenvolvimento: a dinamização empresarial/industrial, e o turismo relacionado com os recursos existentes.
Se, ao nível da indústria, devemos apostar na criação de parques industriais temáticos (Terras da Feira, 29/06/01) para se atingir os níveis competitivos de outras regiões europeias, por outro lado, é com o turismo local que poderemos aprofundar as raízes com a nossa identidade. Um turismo local vocacionado para relação com o espaço natural, a história, a gastronomia, as pessoas.
Provavelmente, muitos dos habitantes da zona poente do concelho da Feira, não conhecerão o castro de Romariz, o espaço envolvente e termas de Caldas de S. Jorge, a excelente regueifa doce de Lobão, as ribeiras de Fiães ou a povoação do Porto de Carvoeiro em Canedo (o Rio Douro também passa pelo nosso concelho)... Ao mesmo tempo, talvez outro leque de gente do “nordeste”, não conhecerá o Visionarium, o museu do papel de Paços de Brandão, o parque ornitológico de Lourosa ou a verdadeira fogaça e caladinho da Feira...
Porque estes “pequenos nadas” também importam.
(Março de2003, in "Terras da Feira")
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