A identificação de um lugar é feita, muitas vezes, através de simples gestos, palavras ou frases. Mas, procurar para cada lugar uma única palavra que o defina, obriga a um arriscado exercício de síntese. No entanto, todo o imaginário em torno dos lugares e dos “sítios”, que se desenvolve também a partir de tensões e frustrações próprias de cada um, suporta a legitimidade desse exercício.
Se, por exemplo, Wim Wenders arriscou a sonoridade de Lisboa num filme, nós talvez pudéssemos arriscar a luz. Para Lisboa proporíamos assim o termo LUMINOSIDADE. Pensemos também em Aveiro. Para Aveiro, com todos os seus canais, proponho ... NAVEGABILIDADE. Para o Porto... Para o Porto a palavra PORTO, e assim por diante.
E Caldas de S. Jorge? Esse lugar, esse “sítio”?
Não temos quaisquer dúvidas quanto à existência de um forte e peculiar imaginário colectivo, até porque, esse lugar, viveu momentos de tensão permanentes. Viveu tempos em que o Uíma, esse rio único, suportava as alegrias e as tristezas daquelas gentes. Ponto de encontro. Lugar de trocas de conhecimento geracional. E o parque das termas? Elegante. Local de amores e desamores. Fonte de inspiração para as telas dos pintores mais desassossegados. Espaço onde as diferentes gerações cresceram e aprenderam a viver com a ressaca do jogo do faz de conta. Assim, para esta vila, uma grande emoção inibe-me de arriscar uma única palavra. Poderemos proteger-nos, portanto, com duas palavras: CENOGRAFIA E IMPONDERABILIDADE.
Cenografia própria de lugares cuja paisagem, habitantes e ambiente urbano, por si só, representam a memória de tempos passados e presentes. O outro lado do espelho.
Imponderabilidade porque esta palavra fez muito pela aldeia que agora é vila. Nesse lugar, quase irreal, existe uma norma constante e intransponível mesmo para os mais poderosos e que sobreviveu a todas as evoluções e transformações dos tempos. Uma norma muito simples. Essa norma é o sentimento de posse colectiva do espaço público – do parque. Este aspecto, aparentemente irrisório, produz a estabilidade necessária ao imaginário, por vezes sofrido, que a vila propõe.
E por isso é importante que o espaço seja animado. É importante que não se torne num local secundário, escuro e triste. Atrevo-me por isso a lançar o desafio de, numa recuperação e readaptação das ambiências existentes nos anos 50, 60 e 70, com os bailes e as sonoridades a “invadirem” toda aquela bolsa verde, ser criado um espaço vocacionado para a interpretação e recriação musical – quiçá um PIANO BAR – no átrium das termas (edifício primitivo) que possa capitalizar e trazer de volta toda a elegância que esse lugar merece, reforçando também assim, o carácter de democraticidade que ele encerra.
E, numa altura que muito se tem falado do turismo e na forma como este pode ser um polo capitalizador de desenvolvimento económico-social, base estratégica do desenvolvimento municipal, também existem desafios a lançar. Como já referi em “desabafos” anteriores, temos um caminho importante para (re)descobrir: o investimento voluntarista na reconstituição do tecido social de solidariedade.
Falo, por exemplo, do envolvimento da população na valorização dos serviços de proximidade, nas formas de economia social, no envolvimento dos comerciantes na promoção turística da vila e da região, na criação de emprego ligado ao turismo, no turismo ligado à indústria do brinquedo (e vice-versa), na criação do museu do brinquedo, na valorização paisagística e ambiental, na qualificação e dinamização dos estabelecimentos de restauração e bebidas, etc, etc, etc.
Poderia ainda, numa perspectiva mais alargada e na lógica da “desconcentração” dos serviços (a Grande Área Metropolitana do Porto pode ser propícia a esses factos), perspectivar a transferência e funcionamento do pelouro de Turismo do município de Santa Maria da Feira, precisamente para o centro geográfico do concelho que corresponde à vila termal de Caldas de S. Jorge. Essa perspectiva, aliada a uma eficaz estratégia de divulgação no exterior, poderia ajudar na promoção e afirmação do turismo de saúde e bem estar, que tão objectivamente aí encontraria terreno fértil de desenvolvimento.
Mas isto, é tão só, um pequeno desabafo...
(Julho de 2007, in http://www.caldas-sao-jorge.blogspot.com)
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