sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Comentário do Américo Almeida à crónica "Musica, Sol e Clerasil - II (claro que o comentário merece ser postado)

"É claro que as gerações mais velhas têm sempre a tendência de comparar os seus valores e as suas referências com as gerações mais novas e quase sempre consideram que no seu tempo é que era e que a malta de agora vale pouco.
Apareceram assim as "gerações da tanga" e as "gerações rasca". Todavia, é cinzento e verdadeiro o retrato que pintas e eu, como algo mais velho, ainda consigo usar cores mais negras.
Relativamente aos meus tempos de criança e juventude, destaco sobretudo a perda e desconsideração de valores outrora fundamentais, como o respeito, pelos outros e sobretudo pelos pais e pelos mais velhos; outros valores como a disciplina e espírito de sacrifício estão totalmente fora de contexto e de moda.
Já nem vou pelos valores marcadamente religiosos, que esses já nem entrem nas contas actuais.
É claro que os tempos eram outros, sem computadores, sem internet, sem telemóveis, sem automóveis e poucas com bicicleta. Hoje as facilidades são por demais e não surpreende que as crianças e os jovens não tenham a mínima noção do que passaram os seus pais e avós.
Os tempos e os contextos são diferentes mas, apesar de todo o actual progresso, não vejo com optimismo o futuro das coisas e das pessoas. De facto hoje os filhos representam um cada vez maior encargo para os pais, nem sempre com possibilidades de sustentar a sua formação. Não surpreende ainda que o próprio futuro e velhice de muitos pais esteja a ser hipotecada pela formação dos filhos já que o Estado, ampliando os limites da escolaridade obrigatória, nunca foi capaz de criar condições que permitissem aos pais e famílias suportar esse acréscimod e investimento.
Veja-se por mim: De uma família de quase uma dezena de irmãos, a partir dos 12 anos estávamos todos a trabalhar para ajuda do sustento da casa; HOje, com uma filha na Universidade, não estou a vê-la a autonomizar-se antes dos 26/30 anos e todos nós sabemos quanto importa tal encargo.
Certamente que alguns destes filhos saberão um dia retribuir o esforço e amparar os pais em caso de necessidade, mas serão sempre poucos os casos e por isso que ninguém conte com esse "ovo no cu da galinha".
Em todo este cenários, é verdade que os pais actuais têm muita responsabilidade por este estado de coisas, este estado de permanente diversão dos filhos, num mundo de irresponsabilidades, mas o Estado e a sociedade em muito contribuiram para esta situação. Retiraram ou limitaram a autoridade à própria autoridade e aos pais e hoje ninguém pode dar um tabefe num filho. A escola há muito que se demitiu da sua função educativa e chegamos a estre ponto onde ninguém respeita ninguém, onde ninguém teme ninguém, tanto ao nível da autoridade, como disse, como da própria justiça.
Perante este negro quadro, que pode ser visto diariamente quando se ouve as notícias e se lê os jornais, atrevo-me a dizer um palavrão: -Agora a sociedade que se foda. Tem o que merece. Permitiu que a liberdade se transformasse em libertinagem, incentiva a malandrice, apoia a irresponsabilidade e paga a incompetência.
- Que se foda!"


Já agora aproveitem e visitem A. Almeida em
http://americoalmeida.blogspot.com/

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(Re)lendo
A CRÓNICA COMENTADA

Musica, Sol e Clerasil - II

Passaram, seguramente, quase vinte anos.

A malta cresceu. Hoje, pode-se considerar que, salvo uma ou outra excepção, o pessoal se enquadra naquela franja de indivíduos relativamente bem sucedida (uns mais, outros nem por isso), com emprego, e tempo para tomar um café, ao fim de semana, num dos estabelecimentos da vila. Alguns deles, ainda apresentam marcas nos joelhos, que teimam em perpetuar, para todo o sempre, o fantástico tempo dos campeonatos de concharinha, realizados no parque das termas.

E entretanto, passamos a olhar para os "miúdos" nascidos na segunda metade da década de 80 com alguma perplexidade, embora, não raras as vezes, com um misto de reprovação e inveja.

Porquê?
Porque os gajos estão cheios de "sangue na guelra" e agora não faltam sítios ou locais para se divertirem. À grande e à francesa. E nós, os trintões ou quarentões, já com algumas brancas, andamos é preocupados em cumprir com as "obrigações" para com a banca, e em arranjar uns cobres para passar oito dias num apartamento manhoso da Quarteira (a 800 metros da praia), e a segunda quinzena de Agosto "enfiados" numa barraca alugada da Praia da Seca em Espinho.

Ainda por cima, já não estamos em tempo de ter as nossas escapadelas, para jogar um sobe e desce no final da noite. Ou ainda, ir tomar um copo, às Sextas-Feiras, a um desses novos locais da "moda" (os novos DJ´s não são capazes de passar nada do tipo Simple Minds, Dire Straits ou The Clash? Aposto até que não sabem o que é o Blitz...).

Chego portanto à conclusão que os miúdos nascidos na segunda metade da década de 80, são mais do tipo "...pum, pum, pum... Ya? Tá-se bem...".

É desses que eu vos quero falar.

Sempre a curtir um bom som, é usual vê-los, a partir de Quinta-Feira, com os seus óculos D&G, caminhando sobre uns sapatos de cabedal, desenhados pelo Vieira (o estilista de S. João da Madeira), a entrar num dos ginásios mais in da região. Daqueles ginásios ou, se quiserem, daqueles espaços de "pseudocultura urbana" que proliferam um pouco por todo o país e que têm uns aparelhos esquisitos onde se pratica um "desporto" que chamam de solário, ou "...qualquer cena do género...".

Apesar de serem raros os que terão aprendido a tabuada dos 7, e de terem chumbado duas vezes seguidas no décimo primeiro são, no entanto, geralmente, uns verdadeiros "Ases" no manuseamento dos telemóveis de última geração. Daqueles que fazem contas e têm jogos. Aprenderam também uma linguagem esquisita sms - "dakelas k qq ser hu mano tb keria e sonha aprender...".

Transformaram-se em catedráticos da noite. Raros são os segredos que a noite encerra aos tipos que, ainda continuam a tentar conquistar as garotas escondidos atrás de, pelo menos, dois centímetros de clerasil.

Pode ser que consigam ter uma profissão de referência, com futuro... Mas isto está cada vez mais difícil. Cada ano que passa, existem mais cursos superiores, e a maior parte deles (cursos) não servem rigorosamente para nada. Apenas para "sacar" o dinheirito aos "velhotes". Aliás, poucos são os que conseguiram entrar no curso desejado...

A "emancipação" dos jovens actuais será, portanto, muito tardia. Não têm solução: os tais "velhotes" (papás) vão ter que lhes "desenrascar uma ajudinha", pelo menos, por mais quinze anos.

É certo que há excepções.
Mas, essas excepções são tão poucas, que nem sequer lhes permite constituir uma equipa de futebol de "salão" para jogar ao Sábado à tarde nos "ringues" de Arcozelo ou de Azevedo... A esses, resta-lhes continuar, resignados à solidão da leitura do último livro do Rui Zink ou então, a preencher as palavras cruzadas do Público que, normalmente, se encontra impregnado de restos de café, em cima da mesa do canto (por vezes ainda conseguem apanhar o Sudoku a meio, podendo por isso, arriscar em decifrá-lo).

Mas, estas excepções, quase de certeza, não dizem respeito a miúdos normais.

Hoje, tal como há dias dizia, jovens normais, continuam a ser, mais do tipo ... MUSICA, SOL E CLERASIL, ao que se pode acrescentar um "... pum, pum, pum. Ya? Tá-se bem...".

Escusado será dizer que, provavelmente, terei de me ir habituando a esse cenário. Assim que os meus "rebentos" ou "herdeiros" começarem a crescer, terão de demonstrar perante a nossa sociedade que, afinal de contas, são putos normais...

Portanto, começo a perder a esperança de os ensinar a mergulhar na Várzea. Começo a perder a esperança de os levar à porta da discoteca e combinar a hora do regresso, antes da uma da manha. Começo a perder a esperança que eles não apreciem aquela bebida que alguém diz "dar asas" – uma tal de Red Bull.

Já perdi até a esperança que eles, algum dia, saibam o que é subir a uma árvore e mastigar uma maça de S. João.

Parece até, que já me estou a ver, ao Domingo, no Gaia Shopping, a comprar resmas e resmas de Clerasil...

Definitivamente, começo a ficar preocupado!


(crónica escrita em Maio de 2007)
- Postado a 10 de Fevereiro de 2010

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