“O QUADRO É NEGRO mas não fui eu que o pintei”, disse um dia José Saramago de uma forma crítica e mordaz, referindo-se ao estado do mundo por altura do seu 80.º aniversário.
E a questão é que a autoria deste quadro negro não é nem nunca foi reclamada, pois ninguém se responsabiliza pela caótica realidade conjuntural existente, a não ser os radicais do apocalipse, que reivindicam as acções terroristas que jogam mediaticamente com o valor e os valores, pondo tudo e todos no seu saco sacrificial, misturando jihad e mercado.
De facto, as coisas vão mal. E o pior é que temos uma tendência quase institucionalizada de soprar para o ar e de nos preocuparmos, apenas, com a nossa realidade. Os problemas não devem entrar na porta das nossas casas (talvez seja o que se pensa na generalidade).
E isso torna-se, de facto, preocupante. Longe vão os tempos em que os problemas da sociedade movimentavam gerações. Agora, tudo funciona de uma forma mais... contida. Sem grandes arregimentações. É mais do tipo “eu e tu”...
Quantos de nós, em conversas de circunstância, nos questionamos sobre os tempos difíceis que se vivem e sobre os que, certamente, aí virão?
Quantos de nós nos questionamos, em conversas de circunstância, sobre o descomunal fosso existente entre a economia deste nosso (ainda) pequeno paraíso a beira-atlântico plantado e a maioria dos restantes estados membros da união europeia?
Quantos de nós nos questionamos, em conversas de circunstância, sobre a inexplicável diferenciação salarial entre um português e um espanhol?
Quantos de nós nos questionamos, em conversas de circunstância, como é possível, num período de recessão económica e crise social, que a banca, as petrolíferas e outros que tais, cresçam a um ritmo alucinante, sem apelo, num sistemático encolher de ombros dos nossos responsáveis políticos?
Quantos de nós nos questionamos, em conversas de circunstância, como é possível não fazer algo para inverter esta tendência inadmissível da sociedade fazer o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico?
- A questão é que os debates ideológicos praticamente não existem. E quando existem são desprovidos da humildade e das referências que, num certo dia, inspiraram aqueles homens e mulheres que iniciaram a revolução.
Não vale a pena, dirão alguns...
No entanto, está na altura de se inverter esse sentimento.
A indignação que o mundo mereceu a Saramago, também pode ser matéria de acção, e leva a que se possa dizer com esclarecimento: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. Se podes fazer, age”.
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