quinta-feira, 25 de abril de 2024

25 de abril I 1974 - 2024




















Canção da Paciência,

 

Muitos sóis e luas irão nascer

Mais ondas na praia rebentar

Já não tem sentido ter ou não ter

Vivo com o meu ódio a mendigar

 

Tenho muitos anos para sofrer

Mais do que uma vida para andar

Beba o fel amargo até morrer

Já não tenho pena sei esperar

 

A cobiça é fraca melhor dizer

A vida não presta para sonhar

Minha luz dos olhos que eu vi nascer

Num dia tão breve a clarear

 

As águas do rio são de correr

Cada vez mais perto sem parar

Sou como o morcego vejo sem ver

Sou como o sossego sei esperar

 

[José Afonso]

quinta-feira, 28 de março de 2024

Usura

 "(...) Não é que tenhamos uma reserva a priori relativamente a tudo o que brilha, mas, a um brilho superficial e gelado, preferimos sempre os reflexos profundos, um pouco velados; seja nas pedras naturais seja nas matérias artificiais, esse brilho ligeiramente alterado que evoca irresistivelmente os efeitos do tempo. 'Efeitos do tempo' é o que soa bem, mas, para dizer a verdade,  é o brilho produzido pela sujidade das mãos. Os Chineses têm uma palavra para isso, 'o lustro da mão'; os Japoneses dizem a 'usura' (...)"


(In Elogio da Sombra, de Junichiró Tanizaki)


Neste  ensaio de 1933, compreende-se melhor a riqueza e uma certa especificidade da cultura oriental.


E quem disse que a arquitectura, a "rainha" de todas as artes, mesmo com séculos e séculos de história, não tem uma relação directa face à forma em como hoje podemos continuar a organizar o território?



quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Lugares

 


“(…)

- De agora em diante serei eu a descrever as cidades – disse o Kan. – Tu nas tuas viagens verificarás se existem.

Mas as cidades visitadas por Marco Polo eram sempre diferentes das pensadas pelo imperador.

- Contudo eu tinha construído na minha mente um modelo de cidade de que deveria deduzir-se todos os modelos de cidades possíveis – disse Kublai. – Contém tudo o que corresponde à norma. Como as cidades que existem se afastam em grau diverso da norma, basta-me prever excepções à norma e calcular as combinações mais prováveis.

- Também pensei num modelo de cidade de que deduzo todas as outras – respondeu Marco.

É uma cidade feita só de excepções, impedimentos, contradições, incongruências, contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de mais improvável, diminuindo o número dos elementos anormais aumentam as probabilidades de existir realmente a cidade.

Portanto basta que eu subtraia excepções ao meu modelo, e proceda com que ordem proceder chegarei a encontrar-me perante uma das cidades que existem, embora sempre como excepção, Mas não posso fazer avançar a minha operação para além de um certo limite: obteria cidades demasiado verosímeis para serem verdadeiras.

(…)”

In “As cidades Invisíveis”, de Italo Calvino


Imagem ZIPZIP I Caldas de S. Jorge, 

projecto 2009/2010

domingo, 30 de outubro de 2022

Desafios


 

Por estes dias, cumpre-se um ano desde que, contrariando a “zona de conforto”, abracei o desafio de contribuir para pensar o desenvolvimento e renovação de um “velho território” conhecido.

Espinho, cidade onde há quase 30 anos aprendi arte e design, cidade onde estudei música, cidade da minha juventude e onde fiz muitos amigos. Terra onde vivi cerca de dois anos.

Não tinha, pois, como rejeitar o desafio de aí regressar. Agora profissionalmente.

Estando a representar uma experiência absorvente, mas extraordinariamente enriquecedora, este último ano permitiu renovar a esperança de que, nas nossas vidas, é sempre possível fazer mais. Mesmo com pouco, é possível contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos outros.

Encontrei, em certa medida, um “território” descrente, estruturalmente desequilibrado, com inúmeras debilidades. Mas também encontrei um território com condições absolutamente excepcionais, um verdadeiro diamante por lapidar. Com gente que merece uma renovada esperança. Gente com quem se possa estar, dialogar e acompanhar.

Nesta ainda curta, mas produtiva aventura, tenho conhecido pessoas extraordinárias, que me receberam de braços abertos. Como se fosse um entre os demais. É assim Espinho.

Agradeço, por isso, a todos os colegas e principalmente ao Miguel que, estou certo, marcará indelevelmente, a história daquela terra.

O futuro será sempre uma incógnita… nesta ou naquela terra. Não somos de um só sítio, de um só lugar…

Mas, enquanto o valor do tempo for dominante, continuarei, naturalmente, a alimentar “o sonho e o desafio da irreversibilidade D’ Espinho”.

sexta-feira, 11 de março de 2022

E agora?


A reflexão que a seguir se descreve, resulta de uma análise histórica a um conjunto de acontecimentos ocorridos nos últimos 100 anos em Caldas de S. Jorge, que poderiam ter marcado e reorientado o reforço da identidade e posicionamento estratégico daquela estância termal no topo dos destinos turísticos de Portugal.

Tratam-se de acontecimentos e episódios comprovados, factual e documentalmente, mas talvez desconhecidos da generalidade dos seus cidadãos.

Servindo de pouco a velha máxima “chorar sobre leite derramado” importa, mesmo assim, reflectir sobre os “encargos” e repercussões que determinadas decisões, tomadas algures, por quem-quer-que-seja, tiveram e têm sobre as gerações actuais ou futuras. No limite, porque as nossas decisões de hoje terão o verdadeiro reflexo nas gerações dos nossos filhos ou mesmo dos nossos netos. É disso que se ocupa a disciplina do planeamento.

 

Dos factos,

I. Ano 1915

Sábado, 18 de Setembro de 1915.

Quem, há quase um século, em Caldas de S. Jorge, numa manhã solarenga de finais de Verão, cinco anos após a instauração da República, tivesse a oportunidade de desfolhar o jornal “Democrata Feirense”, órgão do Partido Republicano Português, deparava-se com uma notícia que, vinda da então Comissão Executiva da Câmara Municipal do Concelho e Vila da Feira, presidida por Vitorino Joaquim Correia de Sá, aparentava ser uma das chaves para o desenvolvimento e para a promoção turística desta aldeia termal.


“...Faz público em conformidade da deliberação da Câmara Municipal de 31 de Agosto findo, e da deliberação desta Comissão Executiva tomada em sessão ordinária de 14 do corrente mês de Setembro, que pelo prazo de sessenta dias, que termina às quinze horas de 15 de Novembro próximo, se recebem propostas em carta fechada, que serão abertas em sessão do dia seguinte, para a construção de um Hotel-Casino nas Caldas de S. Jorge, sob garantia de juro prestada pela Câmara Municipal nos termos das condições e cláusulas patentes na secretaria municipal, cuja cópia será remetida ou entregue a quem a requisite.
Paços do Concelho da Feira, 15 de Setembro de 1915.”

- Fazia sentido.

À semelhança do que se passava no país, e principalmente em aldeias ou vilas termais, a lógica de bem receber os aquistas e de lhes proporcionar a comodidade e o descanso desejável, fazia todo o sentido. Era necessária a procura de novos conceitos ligados ao turismo que pudessem ser uma mais valia na promoção das termas de Caldas de S. Jorge.

Com um programa ambicioso para a época, o Hotel-Casino compreenderia, pelo menos, vinte quartos, sala para bilhar e jogos lícitos, na primeira fase a construir, a qual deveria ficar concluída na época balnear de 1916. Interessante era também o facto da entidade gestora ver-se obrigada a estabelecer, logo que fosse construída aquela primeira fase, um “...serviço de automóveis e carros de transporte de passageiros e bagagens entre o Hotel-Casino e a estação ou estações das vias férreas mais próximas, devendo então ser sujeita à aprovação da Câmara Municipal a tabela de preços do transporte de passageiros e bagagens em automóveis ou carros referidos, quando fossem requisitados pelos hóspedes do Hotel-Casino...”.

 

II. Ano 1929

Sábado, 21 de dezembro de 1929.

No Semanário Republicano Independente “Correio da Feira”, era publicada, na sua primeira página, uma carta dirigida ao Engenheiro dos Caminhos de Ferro de Portugal, Conselheiro Fernando de Sousa. Na missiva, era feita referência à importância estratégica de incluir no Plano da Rede Ferroviária Nacional, um ramal da Linha do Vouga que promovesse a ligação da Vila da Feira até à estância termal de Caldas de S. Jorge.

“…Aos passageiros do norte, que em Espinho tomassem o Vale do Vouga, não lhes custaria decerto fazerem o transbordo na Vila da Feira, para seguirem até S. Jorge, o que se dispensaria se o V. do V. puzesse em Espinho, uma carruagem directa para essas Caldas.

As populações servidas por este ramal, desde a margem esquerda do Douro, que se destinassem ao Sul, tomariam os comboios desse ramal até Ovar, para seguirem depois pela C.P., ou ficariam na Vila da Feira para seguirem nos comboios do Vale do Vouga até Viseu, capital das Beiras e cidade centro de turismo.

O ramal teria assim como pontos obrigatórios: Furadouro, Ribeira de Ovar, Vila da Feira, Caldas de S. Jorge, S. Pedro da Cova, Porto e Leixões…”

 

- Claro. Tal como outros locais, parecia fazer sentido dotar a estância termal de uma infraestrutura que nos ligasse a outros importantes pontos do país. Do norte a sul, do litoral ao interior. O planeamento estratégico vem de longe…

 

III. Década de 90

Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/93

Diário da República n.º 194/1993, Série I-B de 1993-08-19

O PDM de Santa Maria da Feira, apresentava a intenção de se desenvolver um Estudo da área destinada ao complexo turístico-desportivo da Marva (Varzea, Pigeiros e Caldas de S. Jorge),


 - Fazia sentido.

Um ambicioso projecto turístico começava a ser gizado para a encosta do Uima. Equipamentos desportivos, centro hípico, unidades de alojamento, restaurantes, bares, parques, espaço natural.

Mais uma vez, o desenvolvimento turístico estava à porta.

Quase na mesma altura, o famoso Hotel de apoio às termas era construído junto ao denominado “Nó da Cruz”…

 

IV. Final da primeira década de 2000.

Hotel de Apoio às Termas. Após uma vintena de anos o Hotel das Termas ter sido “encaminhado” para a sede do concelho, a 10 quilómetros de distância, eis que um renovado impulso parecia querer alavancar e deixar para trás o permanente “adiamento” dos desígnios de Caldas de S. Jorge. Programa preliminar desenvolvido e validado. Deliberação do município. Formalização de Concessão predial registada. Projecto Aprovado.

 

- Mesmo depois de muitos anos, continuava a fazer sentido. A população interessou-se, aplaudiu e engalanou-se.

Contudo, mais uma vez, a “dança da surpresa”: promessa novamente adiada. Sonhos desfeitos. Futuro suspenso.

  

Da análise. 2022…

Pois. Agora a análise, face ao intervalo temporal de um século de acontecimentos…

 - Será a recorrente negação, uma “sina” deste território?... Será permanentemente suspenso, o direito à irreversibilidade?

À outrora elegante e diferenciadora “Princesa das Termas de Portugal” parece, de facto, restar contentar-se com uma (duvidosa) intervenção de requalificação, desgarrada da história e contextos sociais locais, desprovida de uma dimensão estratégica que catapulte, em definitivo, esta imensa terra.

Na realidade, a desarticulação entre os ritmos de desenvolvimento e o reforço de uma filosofia ou de um desígnio para esta estância termal, assente no diálogo com os habitantes e com o apoio aos sectores comerciais e empresariais locais, anula rapidamente as bases das “mais bem intencionadas” políticas de desenvolvimento.

Lanço por isso um apelo, especialmente a quem tem responsabilidade de decidir e se ocupa da gestão do território, que rapidamente promova a discussão de um verdadeiro “Plano de Revitalização e de Promoção Turística de Caldas de S. Jorge”. Que aborde a temática do investimento voluntarista na reconstituição do tecido social de solidariedade; que envolva a população na valorização dos serviços de proximidade, nas formas de economia social; que promova o envolvimento dos comerciantes e agentes locais na promoção turística da vila e da região,  na criação de emprego ligado ao turismo, no turismo ligado à indústria do brinquedo (e vice-versa), na criação do museu do brinquedo, na valorização paisagística e ambiental, na criação de mecanismos para a reabilitação do edificado existente ou na qualificação e apoio aos estabelecimentos de restauração e bebidas, etc, etc, etc. No fundo, pensar de que forma conseguiremos no futuro captar de novo visitantes? Fixar residentes?

Para além disso, a “abordagem” à programação da empreitada e dos trabalhos em curso, arrisca-se a ser catalogada, objectivamente, como um dos maiores contributos para o gradual “definhamento” do comércio, actividades económicas e vivências locais. É preciso, rapidamente, definir um critério de abordagem às frentes de obra, maximizando as condições de segurança e a normalização da circulação, mobilidade ou estacionamento.

Por vários finais de semana consecutivos, é absolutamente desolador, deprimente e profundamente preocupante, o reduzido número de visitantes que se veem a frequentar os estabelecimentos locais.

Na verdade, desejando estar completamente equivocado, provavelmente daqui a uns meses, após as “questionáveis” opções e obras estarem concluídas, para além dos actuais residentes, talvez nada mais reste a Caldas de S. Jorge do que uma simples memória ou retrato ilustrativo daquele que já foi o mais belo lugar do mundo. Talvez...

 Se assim for, fica a interrogação:

- E agora?

 

PNCS, março de 2022

(Post Scriptum: escrito de acordo com a anterior ortografia)

domingo, 9 de janeiro de 2022

Um dia...

 


Hoje, domingo chuvoso, li pela primeira vez a suposta “memória descritiva” do projecto “requalificação urbana da área envolvente às termas das Caldas de S. Jorge”.

Procurarei continuar a não entrar nas questões relacionadas com as opções estéticas e funcionais. Meramente por razões do foro deontológico: valores que “outros” esqueceram…

Mas, não ficaria bem com a minha própria consciência caso não partilhasse convosco a lamentável falta de rigor e de conhecimento daqueles que, à sombra de uma qualquer lapiseira ou teclado, foram conduzindo a um chorrilho de lamentáveis opções para o uso de um espaço que seria de todos. Que seria de todos nós.

Uma coisa é gostar-se mais ou menos do betão e da linha gráfica de um questionável modernismo. Outra coisa é, além do bacoco e pobre modernismo, assumir-se a veleidade de intervir num território com história, com vivência e com identidade, sem o conhecerem minimamente.

É absolutamente lamentável, para não aplicar outros adjectivos, o desconhecimento do nome das praças, largos e jardins onde se intervém.  Este local mereceria outro tipo de abordagem. Outro tipo de respeito.

- Jardim Nascente? Hã?

- Largo do Coreto? Como?

- Jardim central ou Rossio? O quê?

- Jardim poente (actual entrada das termas)? Pode repetir?

 

Nota-se, infelizmente, que esta intervenção há muito vaticinou o futuro.

Lamento. Lamento profundamente que assim seja(m). E que mantenham orgulhosa e inexplicavelmente uma conduta de desrespeito pelo património, pelo verde, por aquilo que estava bem, pela população (pelo menos por parte da população).

 

Um dia, se quiserem, talvez possam estudar e perceber o que significam ou representam para nós, verdadeiramente, os espaços:

- “Jardim Dr. Carlos Ribeiro”;

- “Largo Abbade Ignacio Antonio da Cunha, Descobridor das Águas Thermaes”;

- “Parque das Termas”;

- “Praça de S. Jorge”.

 

Mas isso, só um dia… um dia.

Quando não mais qualquer memória restar… quando o último carvalho sucumbir… quando a última gota do Uíma secar. Um dia…


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O "velho" Carvalho da Sé...


O último guardião de um lugar e do modo de vida de um povo.

Cresço com Ele e à sua guarda, há quase 50 anos. Sempre foi belo, sereno e imponente.

Brincamos, escrevemos, lemos, registamos, desenhamos, falamos, vivemos com Ele desde crianças. Sempre foi nosso. Sempre foi e será parte de cada um de nós.

Evoquemos à sua vida e à sua resistência.

Que seja sempre uma inspiração. Porque qualquer desfaçatez, jamais será perdoada.

 

Vem este registo a propósito pela forma desprezível de como, mais uma vez e à socapa, pela calada da noite, derrubaram, impunemente, mais um “familiar” próximo e chegado do Velho Carvalho da Sé. Sem razão. Sem apelo. Sem qualquer critério "fitossanitário". Sem o mínimo de vergonha...

sábado, 27 de novembro de 2021

O novo PDM. A derradeira oportunidade?

 

O novo PDM. A derradeira oportunidade?


Nos últimos anos, genericamente um pouco por todo o país, assistiu-se a uma evolução das condições ambientais, económicas e sociais às quais não é alheia uma profunda alteração do novo enquadramento legal relativo ao regime de solos e à actividade de planeamento (Lei de Bases da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBSOTU), a Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, publicado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, e demais legislação complementar, que estabelece os critérios para a classificação e reclassificação do solo bem como critérios de qualificação e das categorias do solo rústico e do solo urbano.

De facto, a lei de bases procedeu a uma reforma estruturante, quer no sentido de definir um conjunto de normas relativas à disciplina do uso do solo, quer no sentido ou objectivo de traduzir uma visão conjunta do sistema de planeamento e dos instrumentos de política de solos, entendidos como plataformas de excelência da execução dos planos territoriais.

Com o novo “impulso” legislativo, ficou implícita a eliminação da denominada categoria operativa de “solo urbanizável” enquanto espaço territorial expectante e sem programação assinalável a curto, médio e longo prazo.

Nesse âmbito, o solo urbano, corresponde ao que se encontra total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afecto em plano territorial (pdm) à urbanização ou edificação. Por outro lado, o solo rústico, corresponde àquele que, pela sua reconhecida aptidão, se destina, nomeadamente, ao aproveitamento agrícola, pecuário, florestal, à conservação e valorização de recursos naturais, à exploração de recursos geológicos ou de recursos energéticos, assim como o que se destina a espaços naturais, culturais, de turismo e recreio, e aquele que não seja classificado como urbano.

Em suma, numa linguagem popular, os critérios para que um prédio ou espaço territorial, se possa doravante considerar apto para fins construtivos, traduzir-se-ão na existência de edificações e sua consistência territorial ou de frente urbana e, ainda, pela consolidação do funcionamento das várias infraestruturas, nomeadamente via pavimentada, rede eléctrica, rede de abastecimento de água e saneamento.

Feito o enquadramento, e no caso de Santa Maria da Feira, decorridos poucos anos sobre a publicação da primeira revisão do PDM, surge então a necessidade de adequar o plano director municipal aos novos conceitos de classificação e uso do solo, iniciando-se assim um novo ciclo que culminará, certamente, com a consolidação de um renovado instrumento de gestão territorial: o denominado pdm de 3.ª geração.

Tendo sido deliberado o início do procedimento em 2019 e com prazo de elaboração e publicação até ao último trimestre de 2021, “quis” a pandemia COVID19 originar a necessidade da prorrogação desse mesmo prazo até final de 2022. Tal prazo, devidamente consagrado pelo Decreto-Lei N.º 25/2021, de 29 de março (alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio), vem por isso, CONVOCAR-NOS A TODOS, PARA UMA REFLEXÃO CONJUNTA SOBRE O QUE QUEREMOS PARA A NOSSA TERRA.

Esta será, por ventura, a derradeira oportunidade para reforçarmos e afirmarmos o nosso território, a sua resiliência e a promoção de uma maior qualidade de vida para os feirenses.

O desafio é, pois, dar resposta aos temas emergentes da sustentabilidade e da solidariedade intra e intergeracional: seja na prioridade à reabilitação e regeneração urbana, na colmatação, diversificação funcional e flexibilização regulamentar do uso do solo… seja na valorização ambiental, paisagística e de biodiversidade ou de utilização do solo de acordo com a sua natureza e aptidão. Seja na promoção de uma mobilidade sustentável, na eficiência energética e adaptação às alterações climáticas… seja na coesão, solidariedade e participação cívica dos cidadãos nas dinâmicas territoriais.

Além disso, no caso da classificação e uso de solo, nada garante que um determinado prédio, actualmente inserido em “zona de construção”, possa manter esse mesmo estatuto. Existem inúmeras variáveis que o podem condicionar ou até alterar. E o cidadão comum têm direito de o saber: todos os dias existem opções, acordos familiares, transacções ou negócios jurídicos que importam acautelar. Mesmo do ponto de vista de enquadramento fiscal, IMI, IMT, está tudo em jogo…

Esta revisão do PDM é muito mais do que uma simples adequação gráfica ou escrita.

Por isso, TODOS contam. O que está em causa é demasiado importante para não ser um processo participado. Impõe-se, por isso, convocar toda a população para o debate.

Nunca como agora as noções de escala, respeito pelo sítio, dimensão estratégica, a percepção/antecipção dos custos de infraestruturação e sua respectiva manutenção se assumiram como critérios tão relevantes a ponderar. Assim, parece resultar claro que a classificação e reclassificação do solo (como e para) urbano estará limitada ao indispensável, pelo que se afigura aconselhável e mesmo necessária a sua efectiva programação.

E por fim, a questão da nossa dimensão estratégica.

O município tem, objectivamente, de “dizer ao que anda”. O que queremos para as nossas cidades, vilas ou aldeias. Como queremos programar as nossas infraestruturas, qual o seu impacto, o seu verdadeiro custo. Quem, quando e como se pagam?.

Não mais será possível condicionar o território com espaços ou vias estruturantes que, ao fim de 30 anos não foram programados nem executados… Não mais será possível fazer crescer um território sem a prévia estruturação e programação das suas infraestruturas e equipamentos de apoio. Não mais será possível delimitar grandes áreas vazias e expectantes à mercê de quaisquer lógicas de especulação imobiliária.

Espero que, em breve, toda a população seja convocada para o debate e para a decisão. Trata-se de um imperativo legal e de consciência. Temos três meses…

Será pois, com base nessa lógica, que contribuiremos e traduziremos parte do nosso compromisso face às gerações vindouras…

 

 

Caldas de S. Jorge, novembro 2021

 

Pedro Castro e Silva, Arquitecto

(escreve de acordo com a anterior ortografia)

sábado, 17 de abril de 2021

Olhares


Admito que alguns se recordem. Fez, neste início de mês, 12 anos.

Lembro-me bem o que foi receber em Caldas de S. Jorge reputadíssimos especialistas do Instituto Superior Técnico de Lisboa e da Universidade de Mimar Sinan e das Belas Artes de Istambul (Turquia).
Um salutar e interessante trabalho com técnicos e gente de cá. Durante 4 dias, “Um olhar para o futuro”.
Como as ideias "estariam" actuais... Julgo.

“Átrium” das Termas, 21 horas do dia 2 de Abril. Noite fria, como quase todas as noites desta terra também caracterizada pelo seu microclima. Sala cheia… de gente. De gente que sente… de calor humano.

É destes encontros que, normalmente, resultam renovados desafios e congregadores pontos de vista. Partilha de experiências, filosofias, métodos de abordagem. Desígnios.

É fundamental (re)pensar a problemática do espaço urbano ou do espaço rural. Reflectir, só ou em conjunto, com pessoas de cá e de outras paragens. Lembrar memórias, ponderar experiências sobre o tratamento do espaço público.

Como sempre referi, as cidades nascem e crescem... mas também declinam e morrem quando lhes faltam os recursos que as mantêm vivas e, acima de tudo, quando não possuem um projecto de vida próprio.

E é pois esse projecto de vida colectivo das nossas aldeias, vilas e cidades que importa pensar, no sentido da procura das melhores soluções para a definição de uma filosofia de desenvolvimento e que contribua para o reforço e valorização da sua identidade.

Todos, à nossa medida e à nossa escala, temos ideias para o espaço que nos rodeia e nos envolve. E todas serão válidas. Por isso é que o processo de planeamento deve ser participado. Por isso é que se realizam iniciativas como a de 2009. Por isso é que se convoca a comunidade a estar presente.

Como dizia o saudoso amigo Costa Lobo, “…não deve haver receio em obter outros pontos de partida... devemos estar disponíveis para a chamada terceira solução…”. Acrescentaria que não devemos recear elevar a discussão em torno destas problemáticas dos “sítios e lugares”, do ambiente, da ecologia, das memórias colectivas, da relação entre o construído e o natural, da vivência de cada um e a sua relação com o conjunto de aspectos do quotidiano que nos envolve. É disso que se trata.

O desafio é reforçar identidades. Um dia, quem sabe, os projectos e os sonhos talvez se possam transformar em realidade. No caso de Caldas de S. Jorge poderia referir, nomeadamente, a definição de um programa operacional em torno da actividade termal e turística, a relação das termas com a comunidade, a consolidação de dinâmicas ligadas à natureza com base numa espécie de “riverway” em que o Uíma seja denominador comum, a requalificação do espaço construído e degradado no qual se inclui, entre outros, a “Casa da Pines” enquanto “pousada de charme” ou até a criação de condições para a instalação da “casa/museu da puericultura, do brinquedo e dos carrinhos de bebé”... ou ainda o desejo de voltar a sentir e respirar uma certa brisa quente com ligeiro toque a enxofre.

Para que isso seja possível, é fundamental que se gerem discussões e debates. É fundamental criar consensos e desígnios comuns. É necessário, acima de tudo, sentir o pulsar de todas as pessoas. De todas as pessoas.

Se assim for, talvez a prazo, nos possamos voltar a afirmar como “território modelo” no âmbito da região metropolitana. Um território assente na lógica do bem estar, dedicado ao eco-turismo, um “espaço paisagem”... no fundo, que se possa reconfirmar como um marco territorial. Que sempre foi. Que o é.

Como já dizia Ebenezer Howard em 1898, o pioneiro moderno da descentralização da cidade industrial, com a invenção da cidade-jardim, o pensamento sobre as vilas e cidades assenta em 3 princípios fundamentais:

- A terra deve pertencer à comunidade;
- Todas as pessoas devem estar envolvidas no planeamento;
- Deve haver harmonia entre o espaço construído e o ambiente natural.

É desta simbiose que se “constrói” o território.


PNCS

(escreve de acordo com a anterior ortografia)

sábado, 10 de abril de 2021

Desígnios


 

Distinguir o feio do bonito, o básico do distinto, o natural do supérfluo é, desde os primórdios, um exercício que nos remete para uma dimensão metafísica da realidade.

Claro que nos reservamos ao direito de considerar que, apesar de tudo, essa é uma característica que se… cultiva e aprende.

Mas, quando se trata do respeito e da compreensão dos desígnios de um lugar, isso… bom, isso é uma característica que não se compra. Sente-se. Vive-se. Morre-se com ela.

Quem, desde pequenino, cresceu à "guarda" do velho Carvalho de Sé, brincou à sombra dos frondosos plátanos do parque, e respirou a leve e quente brisa com ligeiro toque a enxofre, sabe do que falo…

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Pedro (por António Lobo Antunes)

 

Pedro


Hoje, catorze de novembro, é o dia dos anos do meu irmão Pedro, uma das pessoas que mais amei no mundo, o único de nós que saiu moreno, de cabelo preto, quase sempre calado. Nunca invejou ninguém: era livre. Nunca disse mal de ninguém: era livre. Nunca discutiu com ninguém: era livre. Fez sempre, desde criança, o que quis: era livre. Não lhe interessava o dinheiro, nem o sucesso, nem o aplauso dos outros. Não criticava fosse quem fosse. Não falava mal de ninguém. Misterioso, secreto, muito raramente mostrava o que sentia e, apesar do seu silêncio imperturbável, percebia-se que gostava de nós, sem palavras, sem pieguices, sem exibir emoções. Não se queixava de nada conforme, aparentemente, não se zangava com quase nada. A pouco e pouco os pais foram-se apercebendo que não valia a pena enervarem-se com ele. Não lhes respondia que não, concordava sempre.

– Sim, mãe, sim pai

mas apenas fazia o que lhe dava na gana, sem argumentar.

– Isto não é hotel, Pedro

– Sim, mãe

– O jantar é às oito e meia, Pedro

– Sim, mãe

telefonava a dizer que chegava mais tarde, a mãe

– Mas onde é que tu estás, Pedro?

– Do outro lado da linha, mãe

e como é que se lhe podia ralhar depois disto? Aliás era inútil ralhar–lhe porque ele não protestava. No fim da descompostura concordava sempre

– Sim, mãe

numa serenidade amável que impedia exaltações e castigos. Uma ocasião fiz-lhe uma coisa horrível: tinha pedido que fosse lá abaixo à mercearia comprar-me papel para escrever, eu com catorze anos e ele com onze, respondeu-me tranquilamente sentado no tapete, a brincar com não sei quê

– Não vou

calmíssimo

– Não vou

eu ameacei, com medo que, indo eu à mercearia, se me acabasse a inspiração

– Se não vais digo ao pai que tu fumas

o Pedro nem se deu à perda de tempo de falar, indiferente àquela maldade estúpida
(o que eu continuo a arrepender-me dessa sacanice)
ameacei-o de novo

– Se não vais digo ao pai que tu fumas

ele continuou a brincar, completamente nas tintas, tive de ir buscar o papel e a inspiração acabou-se de facto, à hora de jantar o pai sentou-se à cabeceira, eu, furioso com a morte de uma obra prima, interrompi o silêncio da sopa

– Pai o Pedro fuma

o silêncio, se possível, aumentou ainda mais, à medida que eu começava a torcer-me de remorsos

(fui um cabrão)

enquanto o pai para ele, na esperança que o Pedro negasse

– Tu fumas, Pedro?

novo silêncio enquanto eu com ganas de me enforcar no candeeiro do tecto(nunca na vida fui

tão cabrão)

no silêncio a voz do pai a insistir

– Tu fumas, Pedro?

esperando que o Pedro negasse, pedindo a Deus que o Pedro negasse, o pai que odiava a mentira, suplicando que o Pedro negasse, o Pedro na tranquilidade de sempre

– Fumo, pai

mais silêncio durante o qual o pai me olhou com ódio, o pai de novo, num suspiro

– Tu fumas, Pedro?

o Pedro na mesma paz inalterável

– Fumo, pai

um silêncio ainda mais comprido, que eu devia ter aproveitado para me suicidar, o pai num suspiro

– Poisa a colher no prato e espera-me lá em cima

o Pedro, na paz do Senhor, poisou a colher e subiu as escadas, o pai levantou-se vertendo um olhar suspenso na minha direção enquanto atirava o guardanapo para a toalha, voltou passados minutos a detestar-me, o Pedro não voltou, no fim do jantar mais horrível da minha vida levantámo–nos cada um para seu lado, a porta do quarto do Pedro estava fechada, encontrei-o na manhã seguinte antes de sairmos para o liceu, ele falou-me como se nada tivesse acontecido, o pai demorou dias sem olhar para mim, eu demorei dias sem conversar com ninguém, feito em merda pela minha filha da putice e o Pedro seguia igual. Não sei se me perdoou: sei que esqueceu, e continuou a amar-me muito, conforme eu o amava muito a ele. Que eu soubesse não odiava ninguém: era um miúdo livre. Quando morreu saí do quarto dele no hospital porque o meu irmão Nuno me trouxe abraçado a dizer-me

– Anda bebé, anda meu bebé

de maneira que além de filho dos meus pais nesse dia fui filho do Nuno. E gostei. Manos queridos. A maior manifestação de amor entre nós era fazermos chichi juntos, à noite, para a cascata. Agora mijo sozinho. Infelizmente.

 

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

(Crónica publicada na VISÃO 1292, de 7 de dezembro de 2017)

domingo, 27 de dezembro de 2020

O dia da CIÊNCIA

27 de dezembro de 2020 

Começa hoje a ser ministrada em Portugal, a vacina contra a Covid-19. 

Histórico. É a consagração da Ciência. 

 O mundo respira esperança. 
Derrotará um vírus hediondo, que se aliou a alguma ignorância e a uma certa demagogia. 

Que fantástico acontecimento... naquele que também seria o dia de aniversário de alguém extraordinariamente especial (não é Pai?)...

sábado, 26 de dezembro de 2020

As "Torres Belas"

O "massacre" da torre bela não foi levado a cabo por caçadores. 

O hediondo e criminoso episódio, traz à reflexão, mais uma vez, a urgente necessidade de se discutir o que andamos por cá a fazer... 

Além de termos o direito (e dever) de condenar os intervenientes e responsáveis por esta inadmissível barbárie, devemos perceber e discutir o que, a coberto de uma suposta procura da chamada "energia limpa", avança para o extermínio irremediável da nossa paisagem rural. 

É preciso saber discutir e trazer a debate o que anda por aí, com a "chancela" dos fundos europeus. 

Já conhecemos a velha história do eucaliptal e da desordem na floresta. Também sabemos dos lucros com torres eólicas, que vieram pela mão de poucos mas orientados e "excepcionais" grupos de poder. Agora são os painéis solares. 

A que custo? A que custo para a nossa paisagem? 

- Assiste-se a uma completa falta de conhecimento. Mas, acima de tudo, a uma preocupante falta de interesse na discussão... 

É urgente que o ambiente e a paisagem "regressem" à agenda política!

sexta-feira, 29 de maio de 2020

PORTUGAL VAI VENCER

Certificado n.º 8419/2020 CITEVE


A tarde termina com a informação de que a máscara "Modelo A - Masc Babysil" cumpriu nos testes aos 25 ciclos de lavagem.

Satisfação renovada e... redobrada responsabilidade.

#portugal vai vencer.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Desconfinamento




Desde o início desta guerra (já passaram mais de 2 meses), tenho procurado relativizar posições e acções de muitos que, tendo opinião divergente da minha, foram debitando críticas sobre quem tinha a missão de decidir pressionado sob uma quase implacável realidade por todos desconhecida.

Mas as coisas foram serenando. Dia após dia, semana após semana, o país foi controlando o inimigo e demonstrando que afinal de contas, o SNS funciona, os números do excel de alguns não se vaticinaram, enfim… o país afinal não ruiu…

Claro está que, pelo meio (é justo reconhecer), a generalidade dos portugueses, soube, de uma forma absolutamente exemplar, demonstrar o civismo e a confiança necessária para ajudar ao sucesso no combate à COVID-19.

Após aquela que considero uma “jornada exemplar” dos portugueses, incluindo os nossos líderes, eis que chegou o inevitável e desejável tempo de desconfinamento.
Desconfinamento, que será o mesmo que dizer “libertação de situação ou estado de confinamento ou isolamento”...

É pois, neste contexto que nos encontramos, inevitável e necessário apelar a todos, sem excepção, que sendo desejável uma crescente confiança no regresso à vida social e profissional, importa continuar com um redobrado cuidado na forma como nos relacionamos e vivemos.

O que tenho assistido nos últimos dias na rua, não me deixa tranquilo. Muitos são aqueles que, contrariando o estipulado pela DGS e autoridades, vêm participando em acções e ajuntamentos sem qualquer tipo de reservas ou cuidados. Sem máscara social, sem etiqueta respiratória, sem preocupações com o distanciamento social mínimo… sem qualquer cuidado e respeito por si e pelos outros.

Meus caros: a guerra ainda não acabou. Ainda nem sequer chegou a meio. É pois imperioso não desmobilizar. O apelo é para todos. Porque todos somos importantes.

Retome-se o trabalho. Retome-se o convívio. Retome-se o sorriso.
Retome-se pois, a vida, mas sem desbaratar o importante sacrifício e contributo para Portugal que, distintamente e em conjunto, soubemos construir.

Protejam-se. Protejam-se sempre. Protejamo-nos todos.


PNCS
Caldas de S. Jorge, 22 de Maio de 2020